Fala-me de música

Teoria musical

Breve história da afinação

O som
Consonância e dissonância
Pitágoras
Sete notas musicais, doze meios-tons
Um problema
Uma solução de compromisso

O som

O som não é mais do que moléculas do ar em vibração.
Quando uma dada nota musical se faz soar, isso significa que as moléculas do ar vibram com uma dada frequência.
Essa frequência é mensurável, tanto pelos nossos ouvidos como com recurso a aparelhos electrónicos.
Nas notas mais agudas, o ar vibra com uma frequência mais elevada. Respectivamente, notas mais graves fazem o ar vibrar com uma frequência mais baixa.
Sendo assim, o que define uma nota musical não é mais do que a sua frequência.
A frequência mede-se habitualmente em hertz.
Por exemplo, um Lá central tem uma frequência de 440 hertz.
A unidade hertz chama-se assim em homenagem a Heinrich Rudolf Hertz, o físico alemão que demonstrou a existência da radiação electromagnética criando um aparelho que emitia ondas de rádio.

Consonância e dissonância

Duas ou mais notas musicais dizem-se 'consonantes' quando soam bem umas com as outras, quer sejam tocadas em sequência quer em simultâneo.
Respectivamente, duas ou mais notas musicais dizem-se 'dissonantes' quando parecem não jogar bem umas com as outras.
Consonância é sinónimo de 'agradável ao ouvido'.
Dissonância é uma coisa que, regra geral, se pretende evitar na música, embora haja compositores e sistemas musicais que tiram partido da dissonância.

Pitágoras

Pitágoras, o filósofo Grego mais conhecido pelo 'Teorema de Pitágoras', dedicou-se também à música.
Ele constatou que duas notas seriam consonantes se as suas frequências se relacionassem por meio de fracções simples.
Por exemplo, se a frequência da segunda nota fosse exactamente três meios da frequência da primeira nota, então essas duas notas soariam agradavelmente quando tocadas em sequência ou em simultâneo.
Respectivamente, se a relação entre as frequências das duas notas fosse algo mais complexo, do tipo 2326 sobre 1742, então essas duas notas soariam desagradavelmente quanto tocadas conjuntamente.
Essa descoberta levou à criação de escalas musicais em que as notas se relacionavam entre si por fracções simples.
O Sol seria exactamente três meios do Dó, o Mi seria cinco quartos do Dó, etc...
Este sistema de afinação é conhecido como 'Escala Justa'.
Uma escala justa é sempre construída com base numa nota de referência. Essa nota de referência é chamada de 'tónica'.
Podemos, deste modo, construir uma escala justa na tónica de Dó, outra na tónica de Ré, etc...

Sete notas musicais, doze meios-tons

Como já foi dito, uma nota musical tem uma dada frequência.
Se duplicarmos essa frequência, obtemos a mesma nota, só que agora mais aguda. Diz-se que a nova nota é 'uma oitava' acima da nota original.
Do mesmo modo, se dividirmos a frequência da nota original por dois, obtemos também a mesma nota, só que agora mais grave. A nova nota é 'uma oitava' abaixo da nota original. Ou seja, a distância que separa duas notas consecutivas com o mesmo nome, por exemplo de um Ré a outro Ré, é uma oitava.
Porquê o nome 'oitava'?
Se quisermos construir uma escala com base em fracções simples de uma dada nota base, só temos de inventar notas compreendidas entre a frequência dessa nota base e a frequência que é o dobro dessa.
Ou seja, se a frequência da nota base é de 100 hertz, então temos de inventar notas entre os 100 e os 200 hertz.
Fazendo as contas, obtemos sete notas que têm uma consonância muito boa com a nota base.
A partir daí, por duplicação sucessiva das frequências definidas, calculam-se os valores das notas nas oitavas mais agudas.
Igualmente, dividindo sucessivamente por dois as frequências definidas, calculam-se os valores das notas nas oitavas mais graves.
O monge Católico italiano Guido d'Arezzo deu nomes a essas sete notas, retirados dum hino a São João: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si.
Sendo assim, de um Dó a outro Dó inclusive, contam-se oito notas. Daí o nome 'oitava'.
Estas sete notas correspondem às teclas brancas do piano.
Para além destas sete notas que têm uma consonância muito boa com a tónica, é matematicamente possível definirmos mais cinco notas que têm uma consonância razoável com a tónica: uma dessas notas fica entre o Dó e o Ré, outra entre o Ré e o Mi, entre o Fá e o Sol, entre o Sol e o Lá, e finalmente entre o Lá e o Si.
Estas novas cinco notas correspondem às teclas pretas do piano.
Continua a ser matematicamente possível definirmos ainda mais notas. Mas a certa altura temos o problema de ficarmos com uma escala demasiado complexa. Mais grave ainda, as novas notas, embora consonantes com a tónica, seriam potencialmente dissonantes com as demais.
Temos então 12 'notas', ou melhor, 12 meios-tons, numa oitava:
- Dó
- Dó sustenido ou Ré bemol
- Ré
- Ré sustenido ou Mi bemol
- Mi
- Fá
- Fá sustenido ou Sol bemol
- Sol
- Sol sustenido ou Lá bemol
- Lá
- Lá sustenido ou Si bemol
- Si

Um problema

Uma escala justa constrói-se sempre com base numa nota que é chamada de 'tónica'.
Em Escala Justa, os valores das notas diferem consoante a tónica que serviu de base à construção da escala.
Ou seja, um Fá de uma Escala Justa na tónica de Dó não é exactamente igual a um Fá de uma Escala Justa na tónica de Lá. Existe uma dissonância entre eles.
Isto representa um problema de afinação muito grande:
Dois instrumentos musicais afinados em Escala Justa, mas em tónicas diferentes, soam muito bem quando ouvidos separadamente, mas são horrivelmente dissonantes quando ouvidos em simultâneo.
Torna-se então necessário criar um sistema de afinação que permita a coexistência pacífica entre melodias que assentem em tónicas diferentes.

Uma solução de compromisso

Não é matematicamente possível resolver o problema acima descrito.
Não é possível inventar um sistema de afinação em que todos os 12 meios-tons duma oitava sejam perfeitamente consonantes uns com os outros.
Mas é possível ajustar os valores desses meios-tons por forma a que nenhum deles seja francamente dissonante com os demais.
Isto consegue-se, por exemplo, por meio de dividir a oitava em 12 partes exactamente iguais, em proporção.
Deste modo, a proporção entre quaisquer dois meios-tons consecutivos é sempre a mesma. Essa proporção é de 2 elevado a 1 sobre 12.
Uma vez que todos os meios-tons são ajustados, ou temperados, com base numa proporção constante, este sistema de afinação é chamado de 'Temperamento Igual'.
Em Temperamento Igual, a consonância entre os vários meios-tons quase nunca é perfeita, mas também nunca é francamente má.
Algumas tradições musicais, como por exemplo a música ocidental, fazem amplo uso deste imperfeito sistema de afinação, por forma a desenvolver elaboradas harmonias e a explorar o contraponto entre melodias baseadas em tónicas diferentes.
Noutras tradições musicais, como por exemplo na música Indiana, as dissonâncias do Temperamento Igual não são consideradas aceitáveis, dando-se nesses casos mais importância à fidelidade em relação à tónica.
Uma vez que na música ocidental podemos ouvir várias tónicas em simultâneo, as composições tornam-se mais 'verticais'. As emoções são transmitidas pelas várias melodias que soam em simultâneo.
Respectivamente, na música oriental as composições tornam-se mais 'horizontais'. As emoções são transmitidas pela forma como, ao longo do tempo, a relação entre as várias notas e a tónica vai evoluindo.

Rogério Saldanha

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